O conceito universal define a cárie dentária como uma doença multifatorial, infecciosa, transmissível e dieta dependente, que produz uma desmineralização das estruturas dentárias. Onde teríamos como fatores determinantes da doença, a dieta, a presença de microrganismos, a suscetibilidade do hospedeiro e o tempo.

O primeiro modelo proposto por Keyes (1960) para explicar a doença cárie era um modelo (tríade de keyes) em que a cárie seria o produto da interação entre os fatores determinantes: hospedeiro, dieta cariogênica e microrganismos. Newbrun (1978) acrescentou o fator tempo nessa interação, contudo a doença cárie, parece ser mais complexa, de caracter comportamental e influenciada pelos fatores modificadores sociais e econômicos.

Diagrama de Keyes, modificado por Newbrum.

A cárie evolui inicialmente pela instalação da placa bacteriana, desenvolvendo-se de forma incipiente como mancha branca opaca e rugosa até atingir o esmalte, dentina e polpa, que neste caso, após ou concomitantemente à necrose pulpar, ocorre a contaminação bacteriana, desenvolvendo-se uma patologia denominada gangrena pulpar, que leva a inflamação do periodonto apical, que pode originar Periodontite Apical Aguda (lesão endoperiodontal), abcessos e evoluir para granuloma e cisto periapical. Nos quadros de disseminação aguda e edemaciada de um processo inflamatório ou um abscesso que não foi capaz de estabelecer uma drenagem poderá originar uma celulite, que pode se apresentar de duas formas especialmente perigosas, como Angina de Ludwig (celulite da região mandibular) ou Trombose do Seio Cavernoso, quando a infecção passa a barreira do seio paranasal.

É necessário obter um conhecimento profundo em relação aos fatores etiológicos envolvidos no processo de cárie para que seja possível estabelecer estratégias de prevenção, diagnóstico e tratamento de maneira eficaz e eficiente.

Fatores Etiológicos do processo Cárie

Suscetibilidade do Hospedeiro

A suscetibilidade do hospedeiro pode ser determinada por fatores extrínsecos e intrínsecos.

Os fatores extrínsecos estão mais relacionados à estrutura sociocultural na qual o indivíduo está inserido, subjugada a essas diferenças culturais, interferindo no comportamento do indivíduo com influência no controle e na incidência de cárie dentária dessa população.

Os fatores intrínsecos estão relacionados com o fluxo, composição e capacidade tampão da saliva, aspectos hereditários e imunológicos.

Algumas condições dos elementos dentários os tornam mais suscetíveis à doença cárie, tais como a morfologia dental, que compreende anomalias na forma e posições dos dentes.

Microrganismo

A cavidade bucal possui inúmeras espécies de microrganismos, que apesar da biodiversidade estudos apontam que poucas espécies estão relacionadas com a doença cárie, como o Streptococcus e Lactobacillus. Entre as características das bactérias cariogênicas estão a capacidade de sobreviver em meio ácido, a adesão às estruturas dentárias e a capacidade de produzir ácidos a partir da fermentação de carboidratos, consequentemente ocasionando o processo fisiológico DES-RE (desmineralização-remineralização) pela dissolução do fosfato de cálcio existente na estrutura do dente (desmineralização), porém inicialmente essa dissolução pode ser revertida por remineralização.

Os estudos sobre cárie indicam que diferentes microrganismos desempenham alguma seletividade na superfície dentária a ser atacada e sugerem que existem no mínimo quatro tipos de processos envolvidos:

  • Cárie de sulco e fissura: As cáries de sulco e fissura são os tipos de lesão mais comuns. Tem sido observado que o grupo de microrganistod fo tipo cocos são as formas predominantes nestas lesões. Inicialmente o S. sanguis predomina, com o envelhecimento do biofilme aumentam o número de S. mutans e lactobacilos, que são considerados os principais agentes etiológicos. (THYLSTRUP e FEJERSKOV, 1995)
  • Cárie de superfície lisa: Este tipo de lesão tem uma microbiota bem caracterizada. Os microrganismos encontrados com maior frequência são o Streptococcus mutans e S. salivarius.
  • Cárie de dentina: Ao exame da lesão cariosa que atinge a dentina observa-se material necrótico e colonização de bactérias acidogênica e acidúricas do tipo gram positivas. As bactérias na dentina habitam preferencialmente a área necrótica mole e áreas mais profundas (THYLSTRUP e FEJERSKOV, 1995). Na área profunda da lesão há predomínio de bastonetes Gram positivos, tais como: Lactobacillus, Eubacterium, Propionibacterium observando-se um menor número de S. mutans e bactérias Gram negativas (EDWARDSSON, 1974; CHHOUR et al., 2005). A dentina cariosa contém ácidos orgânicos, predominantemente lactato, acetato, propionato e butirato. A produção de lactato por Lactobacillus, de acetato por Actinomyces, e de propionato pelos Eubacterium, Propionibacterium e Veillonella, e o alto número destes últimos gêneros no habitat sugere a presença de cadeias alimentares e algumas vantagens ecológicas dadas a essas bactérias pelo ambiente (HOJO et al., 1991).
  • Cárie de superfície radicular: A cárie de raiz é uma lesão mole e progressiva da superfície radicular que envolve biofilme e invasão microbiana. Streptococcus mutans, Lactobacillus acidophilus e Actynomyces israelli tem sido considerados agentes primários de cáries de superfície radicular em humanos (SHEN et al., 2004). Alguns microrganismos envolvidos em lesões de cárie de superfícies radiculares são diferentes daqueles que causam cárie de superfícies lisas em função da natureza da lesão inicial que ocorre no cemento e dentina, e não no esmalte. Amostras bacterianas de cárie cementárias mostram predominância de Actinomyces viscosus, mas quando a dentina amolecida subjacente é cultivada, espécies como A. viscosus, A. naeslundii e A. odontolyticus são isoladas. Outros microrganismos também são encontrados, incluindo Nocardia e S. mutans. (UZEDA, 2002).

Dieta

A dieta cariogênica é muito importante para o início e evolução da cárie dentária, visto que a microbiota já está presente na cavidade oral e necessita apenas de estímulo (açúcar) para produzir ácidos que desmineralizará a estrutura dentária. Por outro lado, da mesma forma que existem alimentos que concorrem para o aparecimento da cárie, existem também alimentos que impedem o início do processo carioso através de vários fatores químicos e físicos como a ação microbiana; a consistência do alimento que estimula o aumento da secreção salivar, ajudando na remoção de microrganismos da cavidade oral; a presença de substâncias fosfatadas que impedem a queda do PH durante a ingestão do alimento, além de promover o restabelecimento do PH bucal mais rápido em relação A ingestão de outros alimentos.

Classificação dos alimentos em relação a cariogenicidade:

  • Alimentos Cariogênicos: Os Hidratos de Carbono são a principal causa da cárie dentária, sendo o açúcar o mais cariogênico. Estudos realizados mostram que muitas das cáries não são devidas às grandes doses de hidratos de carbono que, mais do que seria desejável, incluímos nas nossas refeições, mas à ingestão de açúcares no intervalo destas (chocolate, iogurte de frutas, chá, café, conservas de frutas, refrigerantes…).
  • Alimentos Não Cariogênicos ou Menos Cariogênicos: são aqueles que contêm uma quantidade aceitável de açúcar na sua composição. Porém não devem ser consumidos em excesso. Como exemplo da Maçã que apesar de sua consistência firme que estimula o aumento da secreção salivar e ajuda na remoção de microrganismos da cavidade oral, porém apresenta sacarose e pode ser um alto potencial cariogênico se consumida em excesso (iogurte natural, chá, café, leite com adoçante, Água mineral, refrigerantes dietéticos, sucos de frutas naturais sem açúcar…)
  • Alimentos Anticariogênicos: A consistência do alimento que estimula o aumento da secreção salivar, ajudando na remoção de microrganismos da cavidade oral; a presença de substâncias fosfatadas que impedem a queda do ph durante a ingestão do alimento, além de promover o restabelecimento do ph bucal mais rápido em relação á ingestão de outros alimentos. Dentre estes destaca-se o Queijo que é um produto lácteo concentrado feito a partir da coagulação do leite. Assim como o leite, o iogurte e outros produtos lácteos, o queijo é naturalmente rico em muitos nutrientes, incluindo cálcio, fósforo, proteínas, vitaminas lipossolúveis e vitaminas B.

As propriedades anti-cariogênicas dos queijos foram bem estudadas e vários mecanismos foram sugeridos para explicar como os queijos ajudam a proteger os dentes (produção de saliva, diminuição da acidez, promoção da remineralização, aumento da resistência do esmalte dentário).

Tempo

Os três fatores anteriormente citados, quando associados, necessitam de um período de tempo para favorecer a desmineralização (perda de minerais) dos dentes iniciando o processo da doença cárie.

Sobre o fator tempo, sugerido por Newbrun (1978), somente será relevante quando houver a presença de placa bacteriana dentária e o indivíduo estiver submetido a uma ingestão freqüente de dieta cariogênica e, assim, o tempo necessário para iniciar a lesão de cárie será inversamente proporcional a essa freqüência. O período de acúmulo de placa bacteriana dentária e a ocorrência de lesões no esmalte já foram estudadas por alguns pesquisadores, reforçando a idéia dessa relação dependente entre o período de acúmulo de placa e a freqüência de dieta cariogênica.

Referências

Newbrun, E. Cariology. Baltimore: Williams & Wilkins, 1978

Keyes PH. The infectious and transmissible nature of experimental dental caries: findings and implications. Arch Oral Biol 1960; 1(4):304-20.

R. B. Antonio Cesar, Pinto Bueno M, Souza R. E., Revista Ciências Biológicas e da Saúde, ASPECTOS MICROBIOLÓGICOS DA CÁRIE DENTAL publicação em revista científica SalusVita, ed. V26 2005

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Bandeira Èrick., A DIETA E SUAS INFLUÊNCIAS NA SAÚDE BUCAL. publicação de artigo portal odontologico 2011

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THYLSTRUP, A.; FEJERSKOV, O. Cariologia clínica. 2. ed. São Paulo: Ed. Santos, 1995.

HOJO, S. et al. Acid profile in carious dentine. J. Dental Res., Chicago, v. 70, p. 182-186, 1991

EDWARDSSON, S. Bacteriological studys on deep areas of carious dentine. Odont. Revy., Lund, v. 25, Sp. 32, 1974.

UZEDA, M. Microbiologia Oral: etiologia da cárie, doença periodontal e infecções endodônticas. Rio de Janeiro:Medsi, 2002. 104p