Os anestésicos locais constituem o grupo de medicamento mais utilizado pelos cirurgiões-dentistas em procedimentos clínicos e cirúrgicos.

A função dos anestésicos locais é bloquear temporariamente a condução nervosa, promovendo a insensibilidade de uma determinada região do corpo sem a perda da consciência. Quando aplicados em terminações nervosas sensitivas ou em troncos nervosos condutores de sensibilidade, eles bloqueiam, de modo transitório, a transmissão do potencial das ações nervosas, causando perda de sensações (MARZOLA, 1999). A condução do influxo nervoso em nervo motor é também interrompida, resultando em efeitos que correspondem à função das fibras nervosas bloqueadas, provocando a paralisia de determinados músculos ou grupos musculares.

A anestesia local no consultório é realizada todos os dias e a incidência de complicações associadas ao uso do fármaco (anestésico) parece ser relativamente baixa, evidenciando que são seguros. Para obter uma anestesia local segura e duração adequadas, o cirurgião-dentista deve conhecer a farmacologia e a toxicidade dos anestésicos locais e dos vasoconstritores para que desta forma possa selecionar a solução mais apropriada ao tipo de procedimento e condições de saúde do paciente.

Aspectos como o tempo cirúrgico, necessidade ou não de operação, técnica anestésica e potencial de possíveis reações tóxicas locais e sistêmicas, devem ser considerados no que diz respeito à escolha do anestésico local (DAVISON, 1997).

As complicações decorrentes da anestesia local em odontologia podem ser classificadas em locais, restritas à cavidade oral ou face, sistêmicas, como toxidade e interações medicamentosas com outras substâncais e alterações locais que incluem incluem dor e queimação à injeção, parestesia, trismo, hematoma, edema, fratura de agulha, injuria em tecido moles, paralisia do nervo facial, infecções, lesões em mucosa, necrose dos tecidos e complicações oculares.

Em geral as complicações decorrentes da anestesia local odontologia são reversíveis e podem facilmente ser evitadas pelo uso de técnicas correta de anestesia local, manuseio adequado do instrumental de anestesia, conhecimento das soluções anestésicas e adesão ao protocolo de anestesia segura, com injeção lenta e aspiração prévia.

Toxidade e interações com outras substâncias

O agente anestésico ideal deve apresentar baixa toxicidade sistêmica; não ser irritante aos tecidos e também não causar lesão permanente às estruturas nervosas. O tempo para início da anestesia deve ser o mais curto possível e a duração de ação suficiente para a realização do procedimento invasivo, com ação reversível. Os anestésicos locais, de modo semelhante a outros fármacos não apresentam isenção de toxicidade.

Segundo a literatura, as reações sistêmicas de toxicidade mais frequentes decorrentes do uso de anestésico local podem ser: Alérgicas, Cardiotoxicidade, Neurotoxicidade, Hematotoxicidade e Mistas. Os anestésicos locais podem ser tóxicos de acordo com a dose aplicada e o grau de absorção sistêmica. Todos podem ser perigosos, principalmente a bupivacaína. A toxicidade clínica está relacionada aos efeitos da droga em outras membranas excitáveis no sistema nervoso central e cardiovascular.

Os efeitos centrais incluem parestesia nos lábios, dificuldade na articulação das palavras, redução do nível de consciência e convulsões. As múltiplas alterações em canais iônicos cardíacos, podem levar à arritmias e redução da contratilidade miocárdica. No caso da bupivacaína os efeitos cardíacos são de difícil tratamento pelo alto grau de ligação proteica desse anestésico, tornando difícil sua remoção do miocárdio. Em contrapartida, a lidocaína pode ser usada clinicamente por seus efeitos cardíacos antiarrítmicos.

Em pacientes que apresentem alterações na farmacocinética dos anestésicos locais pela presença de comorbidades como a insuficiência cardíaca ou hepática (redução do metabolismo da droga), por alterações de proteínas plasmáticas ou pela interação com outras drogas, deve-se estar mais atento à possibilidade de toxicidade anestésico local.

A interação com outras substâncias ou medicamento consumidos pelo paciente pode acontecer, como a cocaína, que é um potente vasoconstritor e pode ocasionar sérios problemas em pacientes que utilizam outras medicações com propriedades vasoconstritoras. Essa interação ocorre pois a cocaína induz a liberação de norepinefrina, e consequentemente bloqueia a sua recaptação pelas terminações nervosas adrenérgicas, causando um aglomeramento de neurotramissores (norepinefrina), e com isso provocando um aumento na pressão arterial, devido à vasoconstrição, taquicardia e um consumo exagerado de oxigênio pelo miocárdio. A cocaína associada ao anestésico também promove uma constrição no baço, o que gera a produção exacerbada de eritrócitos, essa alteração faz com que o sangue fique mais viscoso, podendo levar a formação de trombos nas veias ou artérias (ANDRADE et al, 2013).

Uma das formas de se reconhecer um usuário de cocaína que fez uso recente da droga, consiste em notar os efeitos que a mesma causa no organismo, sendo: um aumento das pupilas (midríase), afetando a visão, que fica turva, sendo chamada de “visão borrada”, ainda pode provocar dor no peito, contrações musculares, e até convulsão, podendo chegar ao coma. Contudo, é sobre o sistema cardiovascular que os efeitos são mais intensos, ocorrendo um acentuado aumento da pressão arterial, e taquicardia. Em casos extremos pode chegar a causar uma parada cardíaca por fibrilação ventricular.

Prevenção e tratamento

A anamnese deve ser feita minunciosamente, para identificar os medicamentos e substâncias consumidas pelo paciente, como forma de certificar-se que não haverá problemas durante os procedimentos odontológicos, assim como conhecer a natureza do vaso constrictor empregado e injeção do anestésico na velocidade correta em média de 2 minutos por tubete.

Parestesia

A parestesia é uma das causas mais frequentes de processos por má prática odontológica. 
 Alterações da normal função sensorial oral pode ocorrer por vários fatores tais como, procedimentos orais restaurativos e cirúrgicos.   Essas alterações sensoriais, normalmente chamadas de parestesias, podem ir desde a uma ligeira até à completa perda da função sensitiva e pode tornar-se mutiladora para o paciente. A maioria das parestesias resolve entre dias, semanas ou meses. Parestesias que perduram após 6 a 9 meses podem ser descritas como persistentes. As possíveis causas incluem hemorragia dentro da bainha neural, trauma direto do nervo pela agulha com a formação de tecido cicatricial, ou possível neurotoxicidade associada a determinadas formulações de anestésicos locais.

Vários estudos concluem que a prilocaína e a articaína estão mais associadas com este evento do que os outros anestésicos locais, desta forma deve-se evitar o seu uso no bloqueio do nervo alveolar inferior, com indicação de uso da lidocaína. O bloqueio nervoso mandibular, é a segunda técnica de injeção mais frequentemente usada (depois da infiltração) e provavelmente a mais importante na odontologia.

A parestesia do nervo alveolar inferior é uma condição que pode afetar os pacientes submetidos à cirurgia de exodontia dos terceiros molares. Alterações de sensibilidade podem ocorrer em conseqüência de traumas diretos, incisão do nervo, ou indiretos, compressão devido a hematoma e edema. Ela se apresenta como uma insensibilização na região inervada por determinado nervo, decorrente da lesão de nervos sensitivos. A sintomatologia apresentada pelo paciente pode variar entre ausência de sensibilidade na região afetada, sensibilidade alterada ao frio ou calor, dor, sensação de dormência, formigamento, “fisgada” e coceira.

Prevenção e tratamento

Nos casos de parestesia por anestesia local é de prevenção inesistente nos casos de traumas acidentais, contudo, ainda pode-se atentar ao cuidado de não contaminar o anestésico com alcool ou substâncias de esterilização. O conhecimento anatômico do nervo alveolar inferior, da posição do canal mandibular e das raízes dos terceiros molares são fatores relevantes para prevenir a ocorrência da parestesia nos casos de trauma em exodontias.

Para os casos que requerem tratamento contam com as modalidades cirúrgica (microneurocirurgia), medicamentosa (vitamina B1, cortisona) e aplicação de laser de baixa intensidade (GaAIAS 820 nm).

Dor e queimação

A dor à injeção aumenta a ansiedade do paciente e pode ocasionar movimento inesperado súbito, elevando o risco de fratura de agulha e lesão traumática de tecido mole no paciente ou lesão por picada de agulha no administrador. Uma sensação de queimação que ocorre durante a injeção de um anestésico local não é incomum. Várias causas potenciais são conhecidas.

A causa primária de uma sensação leve de queimação é o pH da solução que está sendo depositada nos tecidos moles. O pH dos anestésicos locais sem vasoconstrictor é de aproximadamente 6,5, enquanto as soluções que contêm um vasopressor são consideravelmente mais ácidas, de aproximadamente 3,5. A injeção rápida de anestésico local, especialmente nos tecidos mais densos e aderentes do palato, produz uma sensação de queimação. A contaminação dos cartuchos de anestésico local, pode resultar da estocagem em álcool ou outras soluções esterilizantes, o que leva à difusão dessas soluções no cartucho. As soluções aquecidas à temperatura corpórea normal geralmente são consideradas “muito quentes” pelo paciente.

Alguns profissionais tem a prática de submergir o tubete anestésico em uma solução desinfetante, como clorexidina alcoólica, álcool 70%, glutaraldeído, ácido peracético entre outros e isso por sua vez poderia contaminar da solução anestésica por conta dessa imersão, porque a membrana na ponta do tubete pode em muitos casos ser permeável, por isso essa pratica não deve ser realizada sob hipótese alguma.

Prevenção e tratamento

É necessário seguir as técnicas apropriadas de injeção, tanto anatômicas quanto pisicológicas, como, preparo pscicológico do paciente, demonstrar segurança, usar anestésico tópico, usar pressão para isquemia (palato) e vibrar lábios e bochechas.

Alguns cuidados podem ser tomados, como verificar se a solução anestésica não esteja contaminada, nesse caso o ideal é olhar o tubete que ira se utilizar e verificar se a solução apresenta transparência, turvidez ou qualquer outra alteração de coloração. O anestésico Local deve ser conservado na geladeira, entretanto a solução que será ser injetada deve ser aquecida apresentando uma temperatura em torno de 30º a 37º Celsius. O indicado é a retirada do tubete da geladeira um dia antes de ser utilizado.

Administrar corretamente o tempo da velocidade de injeção, aproximadamente dois minutos por tubete.

Em relação a escolha do tubete, utilizer o de cristal, e não o de plástico, devido a vários fatores, como a ausência de metilparabeno (conservante anti-bacteriano), que é presente nos tubetes de plásticos e pode causar reações de hipersensibilidade, essa droga foi proibida nos EUA. O tubete de cristal facilita na aspiração, possui maior estabilidade da solução, e maior tempo de prateleira, assim como maior conforto para o paciente, devido ao deslizamento do embolo dentro do tubete, que propicia uma injeção mais fluída e controlada.

Utilizar agulha com paredes ultrafinas e siliconadas, para proporcionar uma inserção mais suave e menos traumatica. O bisel deve ser trifacetado para reduzir ao mínimo a dor e o incômodo causado ao paciente.

Paralisia do nervo facial

A paralisia transitória do nervo facial comumente é causada pela introdução de anestésico local na cápsula da glândula parótida, que se localiza no limite posterior do ramo mandibular, envolta pelos músculos pterigóideo medial e masseter. A perda de função motora dos músculos da expressão facial produzida pela deposição de anestésico local geralmente é transitória. Ela dura não mais que algumas horas, dependendo da formulação de anestésico local usada, do volume injetado e da proximidade ao nervo facial. Geralmente, ocorre perda sensorial mínima ou nenhuma.

Prevenção e tratamento

Utilizar corretamente a técnica de anestesia durante o bloqueio do nervo alveolar inferior e não inserir a agulha de forma execessiva. Normalmente são reversíveis, tranquilize o paciente, explique que a situação é transitória, com duração de algumas horas, e que, após a resolução,
não haverá efeito residual. Nos casos de paralisia permanente, pode-se fazer uso de laserterapia e medicação neuroestimuladora (ETNA).

Trismo

O trismo é caracterizado pela dificuldade de abertura da boca, o trauma em músculos ou vasos sanguíneos na fossa infratemporal é o fator causal mais comum de trismo associado a injeção de anestésicos locais. Volumes excessivos de solução anestésica local depositados em uma área restrita produzem distensão dos tecidos, que pode ocasionar trismo pós-injeção, o trismo também pode ser causados por hematomas ou infecções causados por anestesia local.

Prevenção e tratamento

Utilizar agulha estéril e descartável, utilizar técnicas assépticas, conhecer a anatomia e técnica apropriada de forma a evitar injeções e inserções múltiplas na mesma área, quando possível utilizar bloqueios regionais em vez de infiltração local.

Com dor e disfunção leves, pode-se fazer uso da terapia pelo calor, que consiste na aplicação de toalhas quentes úmidas na área acometida por aproximadamente 20 minutos de hora em hora, lavagens com solução salina morna, analgésicos e, se necessário, relaxantes musculares para gerenciar a fase inicial do espasmo muscular.

Infecção

A infecção subsequente à administração de anestésico local em odontologia é uma ocorrência extremamente rara, desde que se introduziram agulhas estéreis descartáveis e tubetes de vidro.

A contaminação das agulhas ou soluções pode causar uma infecção de baixo grau quando a agulha ou a solução é depo – sitada no tecido mais profundo. Isso pode ocasionar trismo se o problema não for reconhecido e não se iniciar o tratamento apropriado. (MALAMED).

Prevenção e tratamento

Utilizar agulhas estéreis e descartáveis, não usar o mesmo tubete em outro paciente, estocagem correta dos tubetes de forma asseptica e coberta. Preparar adequadamente os tecidos antes da penetração, secando-os e opcionalmente aplicar antisséptico tópico.

Caso a infecção seja de alto grau, o paciente deve iniciar um tratamento com antibióticos de 7 a 10 dias.

Necrose de tecidos

A irritação ou a isquemia prolongada dos tecidos moles pode levar a várias complicações desagradáveis, incluindo descamação epitelial e abscesso estéril.

A descamação epitelial ocorre devido a Aplicação de um anestésico tópico nos tecidos gengivais por um período prolongado ou Sensibilidade aumentada dos tecidos aos anestésicos locais injetáveis ou tópicos. O Abscesso Estéril é secundário a isquemia prolongada resultante do uso de um anestésico local com vasoconstritor (geralmente norepinefrina)

Prevenção e tratamento

Use anestésicos tópicos conforme recomendado. Permita que a solução que em contato com as membranas mucosas por 1 a 2 minutos para maximizar sua e eficácia e minimizar a toxicidade.

Quando utilizar vasoconstritores para a hemostasia, não use soluções excessivamente concentradas. A epinefrina (1:50.000) pode produzir esse problema, se ocorrer reinjeção da solução sempre que a isquemia se resolver, por um longo período (varias horas) Os tecidos palatinos provavelmente são os únicos lugares na cavidade oral onde esse fenômeno pode surgir.

Nenhum tratamento é necessário, porém, deve-se acalmar o paciente e nos casos sintomáticos prescrever analgésicos e aplicação tópica de pomada (em orabase) para minimizer a irritação na area.

Conclusão

As complicações e acidentes em anestesia local em odontologia geralmente são de fácil resolução e reversíveis, de caráter transitório. Na ocorrência de complicações é importante o profissional manter a calma e acalmar o paciente, explicando que a situação é transitória e o tratamento ou a solução são relativamente simples. Contudo pode-se tomar alguns cuidados e medidas de prevenção para que não ocorra ou diminua o risco de acidentes ou eventuais complicações.

A anamnese odontológica, deve ser feita minunciosamente, para identificar os medicamentos e substâncias consumidas pelo paciente, como forma de certificar-se que não haverá problemas durante os procedimentos odontológicos.

Conhecer a natureza do anestésico e respectivo vaso constrictor para descartar as contra-indicações em relação a doenças sistêmicas ou interações medicamentosas ou outras substâncias. Planejar o procedimento a ser realizado e determinar a técnica anestésica mais indicada. Preparar o equipamento necessário para a anestesia, seringa tipo carpule, retro-carregada e com dispositivo de aspiração. A agulha deve ser descartável e pré-esterilizada. Os tubetes, preferencialmente de vidro e previamente desinfetados e nunca ultrapassar as doses máximas recomendadas por sessão.

Referências

CARVALHO, Bárbara et al . O emprego dos anestésicos locais em Odontologia: Revisão de Literatura. Bras. Odontol.,  Rio de Janeiro ,  v. 70, n. 2, dez.  2013.

LOPES B. Gabriela; Freitas B. Batista João. Parestesia do nervo alveolar inferior após exodontia de terceiros molares. Arquivo Brasileiro de Odontologia v.9 n.2 2013.

CABRAL, L. et al. A ação dos anestésicos locais em pacientes usuários de cocaína. Revista Gestão & Saúde, v. 11, p. 22-27, 2014.

FONTOURA, A. Tony, Parestesias: Etiologia E Abordagem Clínica: Dissertação apresentada à Universidade Católica Portuguesa para obtenção do grau de mestre em MEDICINA DENTÁRIA, 2013.

MALAMED, Stanley F. Manual de Anestesia Local. 6ª Edição. Rio de Janeiro, Editora Elsevier, 2013.