O que é?
A toxina botulínica (BoNT) é uma neurotoxina, produzida pela bactéria Clostridium botulinum (CB), gram positiva e anaeróbica obrigatória. Foi usada pela primeira vez para tratar o estrabismo na década de 1970 e foi aprovado para uso humano pela Food and Drugs Safety Administration (FDA) dos EUA em 1989. Há oito sorotipos produzidos pela CB (A, B, C alfa, C beta, D, E, F e G), sendo o tipo A, o mais utilizado. Os diferentes sorotipos de BoNT possuem propriedades bioquímicas diferentes, contudo, tem um mecanismo de ação semelhante: paralisia e relaxamento muscular temporário. Esse efeito é desejado para reduzir a hiperatividade dos músculos de expressão, melhorar e eliminar linhas faciais hipercinéticas (rugas) (Cengiz et al., 2020; Duruel, 2019; Li et al., 2022; Samizadeh & de Boulle, 2018).
Formulações conhecidas e aprovadas
Atualmente, existem uma variedade de BoNT-A, produzidos por diversas empresas que diferem em termos de unidades, propriedades químicas, físicas e atividades biológicas. No entanto há três formulações conhecidas e aprovadas com limitações em vários países, tais como (Bellows & Jankovic, 2019; Samizadeh & de Boulle, 2018; Skaria et al., 2020):
ONA; Botox®/Vistabel®; Allergan Inc., Dublin, Irlanda
ABO; Dysport®/Azzalure®; Ipsen, Paris, França/Galderma, Lausanne, Suíça
INCO; Xeomin®/Bocouture®, NT 201; Merz Pharmaceuticals GmbH, Frankfurt, Alemanha
A BoNT tem a capacidade de bloquear a libertação de neurotransmissores (acetilcolina) nas junções neuromusculares e por consequência diminuem ou reduzem a contração muscular. O principal mecanismo de ação da BoNT e mais importante para usos estéticos, envolve a paralisia neuromuscular transitória, por meio do processo de desnervação química. Ao injetar em um músculo, a BoNT-A, liga-se a um recetor pré-sináptico de alta afinidade da junção neuromuscular que permite a sua entrada por meio de endocitose. A seguir, ocorre a clivagem da proteína 25 associada ao sinaptossomal (SNAP-25) que desempenha um importante papel na liberação da acetilcolina durante a estimulação do nervo. Essa clivagem bloqueia a liberação da acetilcolina na fenda sináptica e impede que o estímulo nervoso atinja o músculo (Schlessinger et al., 2017).
Ao ocorrer a desnervação química, a reversibilidade dos efeitos causados pela BoNT-A, não será possível, até que a junção neuromuscular seja restaurada naturalmente, em aproximadamente três a seis meses. O período de duração é variado e pode depender da formulação, diluição, dosagem, técnica e local de aplicação (Pirazzini et al., 2017).
A não resposta do doente ao tratamento com BoNT-A pode estar atribuída a imunoresistência, devido a formação de anticorpos bloqueadores ou ao desenvolvimento de anticorpos neutralizantes (NABs). A imunogenicidade refere-se à criação de anticorpos contra a medicação injetada e é conhecida como “efeito vacina”. A não resposta terapêutica, pode ser primária e em todos os tratamentos subsequentes, ou secundária. A não resposta secundária ocorre em injeções subsequentes. A perda de resposta secundária pode ainda ser total ou parcial. São vários os fatores que influenciam na formação de anticorpos, tais como, propriedades de cada sorotipo, formulação, presença de proteínas acessórias não tóxicas associadas (lactose, albumina), fabricação e armazenamento da toxina. As características dos próprios doentes podem afetar as taxas de imunogenicidade. Os fatores de risco para o desenvolvimento da imunogenicidade podem incluir grandes doses por injeção, grandes doses cumulativas e além disso, intervalos de injeções de reforço cada vez mais curtos (Bellows & Jankovic, 2019).
Num estudo antigo de 1995 Jankovic & Schartz calcularam a prevalência de imunoresistência, dos pacientes tratados, é inferior a 5% (Jankovic J, 1995). Idealmente deve ser aplicado sempre uma dose mínima eficaz com o maior intervalo de tempo possível (Bellows & Jankovic, 2019).
As principais preparações de toxina, disponíveis comercialmente e comumente utilizadas (Botox®/Vistabel®, Dysport®/Azzalure®, Xeomin®/Bocouture®), envolvem proteínas não humanas que podem influenciar o sistema imunológico a formar anticorpos contra os antígenos estranhos introduzidos. A criação de anticorpos tem sido a principal causa de não resposta secundária da BoNT-A, contudo, dosagens insuficientes e injeções em sítios inadequados, também estão relacionados (Rahman et al., 2022).
A revisão sistemática de literatura e meta-análise, realizada por Rahman et al. (2022), demonstrou que diferentes tipos de BoNT-A entre indicações terapêuticas, possuem incidências imunológicas distintas. Os autores verificaram a prevalência de anticorpos formados após o tratamento com Abobotulínica A (ABO), Incobotulínica A (INCO) e Onabotulínica A (ONA). Concluíram que de acordo com a indicação de uso, a incidência de NABs foi maior nos casos de distonia (7,4%), seguido por espasticidade (6,7%) e problemas urológicos (6,2%). Ao agrupar por tipo de toxina botulínica, a ABO foi associada a maior incidência (7,4%). O tipo INCO e ONA, tiveram menor incidência de NABs, com 0,3%. A incidência geral do surgimento de anticorpos neutralizantes foi considerada relativamente baixa.
Um painel multidisciplinar internacional, revisou as evidências científicas publicadas sobre o potencial de imunoresistência da BoNT-A em aplicações estéticas e terapêuticas. O reconhecimento de que a terapia com BoNT-A é frequentemente vitalícia e que a possibilidade da sua imunogenicidade ser uma potencial complicação que pode afetar futuras opções de tratamento, estabeleceu, como consequência, um consenso sobre a necessidade de avaliação e risco de não resposta secundária do tratamento relacionada ao desenvolvimento de anticorpos neutralizantes. O painel de consenso internacional defende avaliações clínicas individualizadas, planeamento do tratamento com o envolvimento do paciente desde o início e informação dos riscos de imunogenicidade da BoNT-A. A opção de tratamento contínuo deve ser preservada e sobretudo, fazer uso de produto com maior pureza e menor imunogenicidade deste o início (Ho et al., 2022) .
Devido as propriedades analgésicas e anti-nociceptivas, a BoNT-A, tem sido utilizada como um tratamento alternativo na disfunção temporomandibular (DTM) e na dor orofacial quando o doente não é sensível a outros tratamentos, tais como, aparelhos orais, fisioterapia e medicamentos. Nos casos de doentes com hábitos involuntários e inconscientes severos de ranger os dentes, a BoNT-A, pode ser uma alternativa satisfatória, atuando na redução dos sintomas e da hipertrofia dos músculos masséteres e temporais. A BoNT-A pode ser indicada como uma opção de tratamento minimamente invasivo, como substituto para cirurgia, nos casos de hiperatividade dos músculos elevadores do lábio superior, condição comum que causa a exposição gengival, geralmente acima de três milímetros (Silva et al., 2017) .
A BoNT-A possui uma variedade de aplicações médicas e na medicina dentária. O seu uso está disponível para diversas condições, tais como, hiperidrose, estrabismo, blefaroespasmo, bruxismo, sorriso gengival, síndrome de Frey, distúrbios espáticos, hipersalivação, recidiva ortodôntica, distonias faciais e disfunções temporomandibulares. A BoNT-A tem sido frequentemente utilizada para tratamentos estéticos em conjunto com terapias para suavizar linhas de expressão, melhorar a aparência física e reverter os efeitos do envelhecimento (Saroya et al., 2021).
O relaxamento muscular causado pela BoNT-A, reduz a hiperatividade dos músculos de expressão e propicia a diminuição ou eliminação das linhas faciais hipercinéticas (rugas) (Li et al., 2022).
O uso da BoNT-A é considerado seguro e possui poucas contraindicações, contudo, o Médico Dentista deve reunir todas as informações necessárias referente a história e exame clínico do doente, para estabelecer o correto diagnóstico, tratamento e um prognóstico previsível, alinhado com as expectativas do paciente. Os efeitos adversos e complicações são considerados transitórios, entretanto, são causas de desconforto e preocupação ao paciente. As ocorrências mais comuns são traumas no sítio da aplicação, eritema, dor e equimose. A aplicação está contraindicada em sítios com infeções, doentes com história de hipersensibilidade ou dos componentes (Albumina) utilizados na formulação da BoNT-A. Em mulheres grávidas ou em período de lactação, devido a falta de evidências clínicas suficientes que corroborem com a segurança desses pacientes, não é indicado fazer aplicações da BoNT-A (Barbosa, 2017).
Outras contraindicações a considerar, são pacientes com doenças neuromusculares, como miastenia grave (doença autoimune), síndrome de Eton-Lambert e esclerose múltipla. A aplicação também não está indicada para mulheres em período menstrual, doentes com discrasias sanguíneas, disfunções na coagulação sanguínea, diabetes não controlada, doenças no rim, fígado, pulmonares e hipertensão grave. Estão relatadas algumas complicações, relacionadas a dosagens exageradas, disseminação do produto para além da área de aplicação ou injeção em músculos não desejáveis. Nestes casos podem ocorrer a queda da pálpebra superior e sobrancelhas, diplopia, fechamento do olho, queda da pálpebra inferior, sorriso assimétrico e dificuldade ao falar (Li et al., 2022).
Referências bibliográficas
Alhabashneh, R., Alomari, S., Khaleel, B., Qinawi, H., & Alzaubi, M. (2021). Interdental papilla reconstruction using injectable hyaluronic acid: A 6 month prospective longitudinal clinical study. Journal of Esthetic and Restorative Dentistry, 33(3), 531–537. https://doi.org/10.1111/jerd.12680
BARBOSA, C. M. ;CARIA, P. H. (2017). Sorriso Gengival. Toxina Botulínica em Odontologia. Elsevier Ed Ltda, 272.
Bellows, S., & Jankovic, J. (2019). Immunogenicity associated with botulinum toxin treatment. Toxins, 11(9). https://doi.org/10.3390/toxins11090491
Cengiz, A. F., Goymen, M., & Akcali, C. (2020). Efficacy of botulinum toxin for treating a gummy smile. American Journal of Orthodontics and Dentofacial Orthopedics, 158(1), 50–58. https://doi.org/10.1016/j.ajodo.2019.07.014
Duruel, O. (2019). Ideal Dose and Injection Site for Gummy Smile Treatment with Botulinum Toxin-A: A Systematic Review and Introduction of a Case Study. Lee, W. P., Kim, H. J., Yu, S. J., & Kim, B. O. (2016). Six Month Clinical Evaluation of Interdental Papilla Reconstruction with Injectable Hyaluronic Acid Gel Using an Image Analysis System. Journal of Esthetic and Restorative Dentistry : Official Publication of the American Academy of Esthetic Dentistry … [et Al.], 28(4), 221–230. https://doi.org/10.1111/jerd.12216
Li, K., Meng, F., Li, Y. R., Tian, Y., Chen, H., Jia, Q., Cai, H., & Jiang, H. B. (2022). Application of Nonsurgical Modalities in Improving Facial Aging. In International Journal of Dentistry (Vol. 2022). Hindawi Limited. https://doi.org/10.1155/2022/8332631
Samizadeh, S., & de Boulle, K. (2018). Botulinum neurotoxin formulations: Overcoming the confusion. In Clinical, Cosmetic and Investigational Dermatology (Vol. 11, pp. 273–287). Dove Medical Press Ltd. https://doi.org/10.2147/CCID.S156851
Skaria, J., Hegde, N., George, P. P., Michael, T., & Sebastian, J. (2020). Botulinum Toxin Type-A for the Treatment of Excessive Gingival Display on Smiling. Journal of Contemporary Dental Practice, 21(9), 1018–1021. https://doi.org/10.5005/jp-journals-10024-2926
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