O biofilme
A placa bacteriana ou biofilme é considerado um fator determinante para que ocorra a doença periodontal. Grandes depósitos bacterianos são regularmente associados a formas localizadas de doenças dos tecidos duros e moles subjacentes. E 1 mm³ de placa dental pesando aproximadamente 1 mg, estão presentes mais de 108 bactérias. As comunidades bacterianas presentes na cavidade oral são extremamente complexas, estimando-se o envolvimento de cerca de 700 espécies (Bartold & Dyke, 2013).
Hipótese da placa inespecífica: visão que toda a massa biológica (bacteriana) estava relacionada na destruição periodontal (Theilade et al, 1986).
Hipótese da placa específica: visão da periodontite sendo causada por patógenos específicos.
Na cavidade bucal o biofilme ou placa dental é uma biomassa densa, não calcificada, constituída por bactérias (15 a 20% em volume) distribuídas em uma matriz orgânica protetora (87% a 80% em volume), composta por polissacarídeos, células epiteliais descamadas, leucócitos, enzimas, sais minerais, glicoproteínas salivares (mucina) e restos alimentares.
A nutrição pode ser estabelecida por canais de água ou difusão, que de acordo com a força pode formar colônias em torres ou cogumelos.
A espécie colonizadora possui algumas vantagens como (Lindhe, 2005):
- proteção contra colonizadores específicos;
- contra fatores ambientais (defesa do hospedeiro);
- proteção contra substâncias tóxicas (antibióticos);
- facilidade de processamento e absorção de nutrientes;
- facilidade de alimentação cruzada;
- remoção de produtos metabólicos danosos;
- meio químico e fisicamente adequados;
Propriedades do Biofilme dental
Estrutura
Microcolônias individuais pode consistir em espécies individuais, mas frequentemente são compostas de várias espécies diferentes que podem formar colônias em torres ou cogumelos.
- microcolônias de células bacterianas ( 15 a 20% em volume).
- Glicocálice ou Matriz (75 a 80% em volume).
Exopolissacarídeos
O corpo do biofilme consiste em matriz ou glicocálice (composto de água, solutos aquosos e material seco). O material seco é uma mistura de exopolissacarídeos, proteínas, sais e material celular.
Possui a função de manter a integridade, preservação de desidratação e proteção à ataques nocivos, além de aglutinar determinados nutrientes e enzimas e funciona como solução tampão. No biofilme oral, os microrganismos podem sintetizar ou degradar os exopolissacarídeos.
Heterogeneidade fisiológica no interior dos biofilmes
Células de uma única espécie (mesmo separadas por 10 um de distância) podem exibir estágios distintos como: variação de PH, presenças de íons metálicos, capacidade de anaerobiose mesmo na presença do ar. Estudos atuais indicam que células sésseis que crescem em biofilmes mistos, podem sobreviver em uma escala quase infinita de micro-meios químicos e físicos dentro de comunidade microbiana.
Quorum Sesing
Envolve a regulação da expressão de genes através do acúmulo de moléculas sinalizadoras que controlam a comunicação intracelular. Pode atribuir aos biofilmes, as suas distintas propriedades, podendo estimular espécies benéficas e desestimular competidores. Muitas espécies de bactérias utilizam o Q.S. para coordenar a expressão de genes de acordo com a densidade da população local ( sistemas de estímulos e respostas correlacionada). Foram detectadas moléculas sinalizadoras de Q.S. produzidas por patógenos periodontais tais como P. gengivalis, P. intermedia e F. nucleatum .
As bactérias que não estão aderidas ao dente, assim como as células de descamação, leucócitos e restos alimentares ligadas frouxamente ao dente é chamada de “matéria alba” e não é considerado um biofilme e pode ser deslocada da superfície dental pode jatos de ar/água e por bochecho vigorosos, o que não acontece com a placa dental (biofilme).
Formação da placa (biofilme)
Para a formação do biofilme, as bactérias utilizam-se de mecanismos de aderência adesivas, como, polímeros extracelulares, salivares, pili ou fimbrias e de aderência mecânica como as estruturas anatômicas (fossas, fissuras), lesões de cárie, apinhamento dental, sulco gengival e bolsa periodontal.
A capacidade de aderir à superfície é uma propriedade de quase todas as bactérias que dependem de uma série de interações que envolve a superfície a ser colonizada, a microbiota e o meio ambiente líquido. (Mergenhagen & Rosan, 1985).
A formação do biofilme inicia-se por meio de bactérias nativas que fixam-se a superfície do dente coberta pela película adquirida (filme orgânico) que é composta por uma variedade de glicoproteína salivar (mucina) e anticorpos. A película aumenta a eficiência de adesão bacteriana, algumas possuem estruturas específicas de rápida adesão, como os polímeros extracelulares e fímbrias, outras necessitam de uma exposição mais prolongada para se unir firmemente. Quando aderidas às superfícies por meio de coagregações permite um crescimento ativo de outras bactérias que anteriormente não dispunham de nutrientes. A massa bacteriana aumenta devido ao crescimento contínuo dos microrganismos que já se aderiram e à adesão de novas bactérias e síntese de polímeros extracelulares. Com o aumento da espessura, nas camadas mais profundas ocorre a diminuição do oxigênio, que propicia o crescimento de bactérias anaeróbias estritas que contribuem para o aumento da patogenicidade do biofilme.
A película adquirida não é removida pela escovação dos dentes, porque se embrenha entre os prismas de esmalte e mesmo com uma vigorosa limpeza com materiais abrasivos, volta a se depositar imediatamente após a retirada.
Etapas da Colonização
- Colonização primária: predominantemente por cocos Gram-Positivos anaeróbios facultativos que são adsorvidos dentro das superfícies cobertas pela película adquirida.
- Segunda Fase: Ocorre agregação de cocos e bastonetes Gram Positivos anaeróbios facultativos que se multiplicam.
- Os bastonetes Gram-positivos facultativos permitem a aderência de microrganismos Gram-Negativos, que possuem pouca capacidade de adesão direta na película.
- A heterogeneidade aumenta a medida em que a placa envelhece e se torna madura. Ocorre uma colonização secundária por bactérias anaeróbias estritas contribuindo para aumentar a patogenicidade do biofilme.
Placa Supragengival
É o biofilme formado acima da borda da gengiva sobre a película adquirida ou na coroa clínica do dente, principalmente na região cervical. A aderência em superfícies sólidas ocorre em 2 passos:
- Estágio reversível, a bactéria se adere fracamente, permite fácil remoção
- Estágio irreversível, a aderência se torna consolidada
Placa subgengival
É o biofilme supragenvival que estende-se abaixo da margem gengival. O biofilme subgengival apresenta maior espessura e é aderido a superfície dental (cemento/esmalte) e não aderido próximas as partes de tecidos mole.
A placa subgengival estruturalmente assemelha-se à placa supragengival, particularmente com respeito à placa associada a gengivite sem formação de bolsa periodontal. Quando a bolsa periodontal é formada, a aparência do depósito bacteriano subgengival torna-se muito mais complexa.
Os produtos da dieta dissolvidos na saliva são fontes importantes de nutrientes para as bactérias na placa supragengival, quando se forma a bolsa periodontal profunda a condição nutricional é alterada, onde a principal fonte para o metabolismo bacteriano provém de tecidos periodontais e do sangue, que com a liberação de enzimas hidrolíticas podem iniciar o processo destrutivo dos tecidos periodontais.
O espessamento da placa subgengival resulta na implantação de patógenos periodontais e na maior produção de metabólitos tóxicos que induzem a uma resposta inflamatória ocasionando a destruição do tecido periodontal. O mecanismo de ação bacteriana ocorre em uma ação combinada de 3 formas:
- Agentes citotóxicos (endotoxinas/lipossacarídeos)
- Produção de enzimas histolíticas ( colagenase, hialuronidase, condroilinase e proteases)
- Invasão tecidual e celular.
Cálculo Dentário
O Cálculo dental é o biofilme bacteriano mineralizado sobre a superfície dental ou outras superfícies duras da cavidade oral. Pode ser supragengival ou subgengival. A mineralização inicia-se em centros que surgem intracelularmente nas colônias bacterianas ou extracelularmente a matriz, com cristalização do núcleo.
Cálculo Supragengival
É caracterizado como uma massa de coloração branco-amarelada ao castanho-amarelada, dependendo de hábitos alimentares e fumo. A sua formação está relacionada com a quantidade de placa e a saliva (fonte de minerais).
A maior frequência está nas proximidades dos ductos de glândulas salivares maiores ou em áreas de mau posicionamento dental (apinhamento), com menor aderência e dureza moderada.
Cálculo Subgengival
É detectado apenas pela sensibilidade táctil durante o procedimento de sondagem ou através de exame radiográfico quando estão mais volumosos, não sendo visíveis a olho nú.
Apresentam coloração marrom ou preta, com maior dureza e aderência a superfície dental. É encontrado frequentemente nas bolsas periodentais, estendendo-se a partir da junção cemento-esmalte até o fundo da bolsa.
Assim como o cálculo supragengival, o cálculo subgengival serve de meio ideal para a aderência bacteriana e não promove a doença periodontal, mas facilita a adesão do biofilme nas áreas próximas ao tecido gengival dificultando sua remoção mecânica, tornando-se então um produto secundário da infecção e não a causa principal da periodontite.
O cálculo é o fator retentivo de placa mais importante e deve ser removido antes de executar qualquer ação profilática a fim de alcançar um tratamento periodontal adequado.
Infecções Periodontais
As doenças periodontais são infecções causadas por microrganismos que colonizam a superfície dentária supra ou gengivalmente.
Existe um equilíbrio entre a microbiota bucal e hospedeiro, sendo uma relação benigna. Os microrganismos que causam doenças periodontais residem em biofilme existentes nos dentes ou superfícies epiteliais e esse biofilme protege e oferece propriedades metabólicas as bactérias, afetando o mecanismo de defesa dos hospedeiros, alterando assim a relação de equilíbrio entre hospedeiro e microbiota.
São considerados microrganismos periodonto patogênicos, os do complexo azul e vermelho, sendo que os do complexo laranja também participam do processo de destruição. A maioria dessas espécies além dos sítios subgengivais, também colonizam as mucosas, dorso da língua, amigdalas e saliva.
Complexos Bacterianos:
- COMPLEXO AZUL: Gênero Actinomyces;
- COMPLEXO AMARELO: Gênero Streptococos
- COMPLEXO VERDE: Gênero Capnocytophaga
- COMPLEXO ROXO:Veillonella parvula, Actomyces odontolyticus
- COMPLEXO LARANJA: Streptococcus constellatus, Campylobacter gracilis, C. rectus, C. showane, Eubacterium nodatum, Fusobacterium nucleatum, Prevotella intermedia, P. nigrescens, Peptostreptococcus micros
- COMPLEXO VERMELHO: Porphyromonas gingivalis, Tannerella forsythia, Treponema denticola. (Agentes etiológicos da periodontite crônica).
Principais patógenos periodontais:
- Aggregatibacter actinomycetencomitans
- Bastonete Gram-negativo imóvel
- Vivem na ausência de oxigênio na presença de dióxido de carbono
- Encontrado em número elevado nos casos de periodontite agressiva, produz metabólicos destrutivos como a leucotoxina.
- Porphyromonas gingivalis
- Bastonete Gram-negativo anaeróbio
- Formam colônias de pigmento castanho a negro
- Produzem colagenase, proteases (destruição de imunoglobulina), endotoxina
- São ausentes em áreas tratadas da doença
- Podem invadir o tecido gengival
- Tannerella forsythia
- Bastonete Gram-negativo anaeróbio
- Presente em periodontite ativa e refratária (tratamento não produz resultado esperados)
- Invade o epitélio
- Observado no biofilme subgengival
- frequentemente associado a Fusobacterium nucleatum
- Treponema denticola
- Helicoidais Gram-negativos anaeróbios altamente móveis
- Comuns em bolsas periodontais
- Associados a GUN– microorganismos altamente móveis, helicoidais, anaeróbicos, provocam alteração na resposta de anticorpos nos casos de periodontite ativa
- Exemplo: espiroqueta Treponema denticola.
- Prevotella intermedia
- Bastonete Gram-Negativo anaeróbio
- Frequente nos casos de GUN, presente em certas formas de periodontite
- Fator de virulência semelhante à Porphyromonas gingivalis
- Fusobacterium nucleatum
- Bastonete Gram-Negativo anaeróbio
- Isolado do biofilme subgengival
- Campylobacter rectus
- Vibrião Gram-Negativo anaeróbio móvel
- Incomum, pois utiliza hidrogênio, formam colônias convexas pequenas, difusas
- Presentes em áreas de doença periodontal ativa
- Produz leucotoxinas.
- Eikenella corrodens
- Bastonete Gram-Negativo
- Relacionadoa osteomielite e infecções do sistema nervoso central, e endodônticas
- Presente em sítios com destruição periodontal
- Respondem insatisfatoriamente ao tratamento
- Associado ao A. actinomycetemcomitans em lesões de Periodontite Agressiva.
Não são as bactérias em si que destróem os tecidos periodontais, mas a resposta imune altamente pró-inflamatória que elas desencadeiam, com produção de susbstâncias (citocinas) que matam o patógeno, mas ao mesmo tempo levam à destruição dos tecidos periodontais (Abbas & Lichtman, 2003).
Pré-requisitos para o início e a progressão da doença periodontal
A progressão da doença periodontal depende da ocorrência simultânea de vários fatores (Socransky & Haffajee,1992,1993). O hospedeiro deve ser susceptível tanto sistêmica quanto localmente. O meio local deve conter espécies bacterianas que acentuam a infecção ou que, pelo menos, não inibem a sua atividade patogênica. Os patógenos devem atingir números suficientes para iniciar ou causar a progressão da infecção em um determinado indivíduo e em meio específico.
- Patógeno periodontal virulento (bactérias)
- Diferentes famílias de bactérias;
- Elementos genéticos necessários para causar doença;
- Local e número suficiente.
- Suscetibilidade do hospedeiro:
- Níveis de PMN (Leucócitos polimorfonucleares);
- Disfunção na resposta imunológica;
- Fumo, Dieta;
- Doenças sistêmicas (diabetes mellitus, HIV).
- Meio local: ambiente da cavidade bucal;
- Antagonismo bacteriano (uma bactéria dificulta o desenvolvimento da outra).
- p.ex., S. sanguis e Aggregatibacter actinomycetencomitans: não conseguem conviver juntas, uma combate a outra.
- Regulador da expressão de virulência (para começar a prejudicar depende da): temperatura, pressão osmótica, concentração de ferro, magnésio ou cálcio.
- Antagonismo bacteriano (uma bactéria dificulta o desenvolvimento da outra).
Mecanismos de Patogenicidade
Para um patógeno periodontal causar a doença, é essencial que ele seja capaz de:
- Colonizar a área subgengival
- Capacidade de adesão a uma ou mais superfícies disponíveis: Adesinas (receptores específicos) e fímbrias
- Co-agregação: adesão de bactérias às bactérias aderidas as superfícies do hospedeiro
- Multiplicar-se: condição favorável de temperatura, PH e nutrientes
- Competir com outros microrganismos: relação de simbiose e antagonismo
- Defesa do mecanismo de defesa do hospedeiro
- Fluxo salivar
- Fluxo sulcular (fluido do sulco gengival – tem células de defesa);
- Deslocamento mecânico (escovação, fio dental);
- Fagocitose;
- Resposta imune.
- Produzir fatores que danifiquem diretamente os tecidos do hospedeiro ou induzir dano tecidual. Fatores de virulência:
- Substâncias que danificam as células teciduais: Agentes citotóxicos (endotoxinas)
- Substancias que levam as células a liberar substâncias biologicamente ativas: lipossacarídeos
- Substâncias que afetam a matriz celular: enzimas histolíticas ( colagenase, hialuronidase, condroilinase e proteases)
Processo de defesa do Hospedeiro
As reações do hospedeiro-parasita podem ser divididas em resposta inata (não-específica) e resposta adaptativa (específica) atuando de forma sinérgica. Nas reações inatas incluem a resposta inflamatória que abrange aumento da permeabilidade vascular, migração de leucócitos PMN, monócitos e linfócitos para o interior dos tecidos afetados e ativação de células para secretar mediadores inflamatórios. A resposta imune adquirida incluem os fatores humorais intermediadas pelos anticorpos e os fatores celulares intermediada pelos linfócitos T-CD4 (Helper), que ativam os linfócitos B a diferenciarem-se em plasmócitos, células produtoras de anticorpos.
P.ex., a imunoglobulina IGA-s impede a adesão dos microrganismos à superfícies dos dentes.
Infecções Peri-implantares
Estudos realizados sugerem:
- A película adquirida formada em estruturas de implante é bastante similar à película formada em dentes naturais.
- As espécies colonizadoras iniciais nos implantes são similares àquelas que colonizavam os dentes e existem semelhanças entre as microbiotas dos sítios comprometidos por periodontite e perimplantite.
- A composição microbiana do biofilme de um implante saudável é similar àquelas observadas em superfícies de dentes periodontalmente sadios.
- Existem diferenças marcantes entre as microbiotas peri-implantares de pacientes parcial ou totalmente desdentado, sugerindo que os dentes remanescentes são as fontes principais de colonização dos implantes.
- Em indivíduos com histórico de periodontite que são parcialmente edêntulos o risco de perimplantite parece aumentar em longo prazo.
Referências
- LINDHE, J. Tratado de periodontologia clínica e implatologia oral, 5 o ed., Ed. Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 2010.