Segundo Neville (2016), cisto é uma cavidade patológica revestida por epitélio, que pode ser preenchida por um material líquido ou semi-sólido em seu interior. Os cistos odontogênicos foram classificados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1992, como cistos de desenvolvimento ou de inflamação (inflamatórios) (SANTOS et al, 2006). Podem ter localização intra-óssea ou nos tecidos moles. Nos tecidos moles caracterizam-se por lesões de contorno esférico visível podendo ou não ser palpável e nos tecidos ósseos inicialmente descobertos com achados radiogáficos. Posteriormente devido a sua expansão nas corticais ósseas em áreas de menor resistência, podem deformar a região e promover deslocamento dos dentes adjacentes.

Nos cistos de desenvolvimento a patogênese exata dessas lesões é incerta e se desenvolvem na região oral e maxilofacial com tendência ao aumento de tamanho e com crescimento lento. Os mecanismos de desenvolvimentos dessas lesões são hipotéticos: (1)  proliferação de componentes epiteliais com a diminuição da nutrição das células mais centrais e consequente degeneração e necrose das menos nutridas, causando a cavitação e liquefação, (2) proliferação de tecido epitelial, ou remanescentes, para preencher uma cavidade patológica decorrente de um abscesso, (3) privação de nutrição e posterior necrose e liquefação do tecido conjuntivo ilhado pela proliferação dos remanescentes epiteliais. O crescimento expansivo posterior seria devido a diferenças das pressões osmóticas entre a cavidade patológica e o liquido tissular intersticial na tentativa de restabelecer o equilíbrio.

Os cistos inflamatórios são lesões que se originam de traumatismo que gerou alteração pulpar ou da infecção dos canais radiculares que quando após ou concomitantemente à necrose pulpar, ocorre a contaminação bacteriana, desenvolvendo-se uma patologia denominada gangrena pulpar, que leva a inflamação do periodonto apical (periodontite apical ou pericementite) (SAYÃO, 2007). Originam-se no interior de um granuloma periapical ou por indução dos restos epiteliais de Malassez, a partir da formação de uma cavidade revestida de epitélio.

Classificação atual dos cistos odontogênicos, segundo a Organização Mundial de Saúde (Wright, 2017):
  • Cistos de desenvolvimento odontogênicos
    • Cisto dentígero
    • Queratocisto odontogênico
    • Cisto periodontal lateral e cisto odontogênico botrióide
    • Cisto odontogênico glandular
    • Cisto odontogênico calcificante
    • Cisto odontogênico ortoqueratinizado
    • Cisto do ducto nasopalatino
  • Cistos odontogênicos de origem inflamatória
    • Cisto radicular
    • Cisto colateral inflamatório

Em 2005, na 3ª edição, o ceratocisto foi classificado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como Tumor Odontogênico Ceratocisto, posteriormente, em 2017 (4ª edição da Classificação) retornou à categoria de cisto, como Ceratocisto Odontogênico (Wright, 2017).

Em relação ao diagnóstico dessas lesões, somente o exame histopatológico poderá confirmar o diagnóstico diferencial entre cistos odontogênicos inflamatórios e de desenvolvimento assim como tumores, orientando desta forma o protocolo de tratamento. O diagnóstico por imagem é de grande valia, como a radiografia panorâmica dos maxilares, que permite em um único filme, uma visão global de toda região dento-alveolar e estruturas adjacentes de interesse em ambos arcos dentários da maxila e mandíbula, a radiografia periapical, com melhores detalhes da região de interesse e a tomografia computadorizada ou a de feixe cônico, que permite a visualização dos planos axiais e coronais, a verificação da dimensão da lesão, além de evidenciar as alterações tanto nos tecidos duros como moles. Radiograficamente uma lesão cística pode ser representada por uma região radiolúcida circunscrita delimitada por um halo radiopaco, nos casos de lesões com tamanho aumentado, a área radiopaca pode não ser visível.

O tratamento cirúrgico pode consistir em enucleação total (de eleição) ou descompressão (fenestração, marsupialização/descompressão) para terapêutica de demora com o objetivo de regressão de lesões volumosas para posterior enucleação ou biópsia e nos casos de cistos dentígeros nos dentes considerados viáveis. A descompressão pode tornar-se uma terapêutica definitiva quando não há possibilidade de enucleação total devido a condições sistêmicas do paciente. A cicatrização será por primeira intenção em lesões sem infecção e menores do que 2 centímetros e de segunda intenção quando há infecção ou o diâmetro ultrapassa  os 2 centímetros, com o uso de uma gaze medicamentosa para a proteção da ferida operatória.

A enucleação representa a remoção de lesões com preservação de estrutura por dissecção ou divulsão, na curetagem a lesão é removida sem preservação estrutural da lesão, com curetas ou brocas, por eleição o ideal é a possibilidade de enucleação, pois diminuem as chances de restarem fragmentos na loja operatória (Gregori, 2004).

A marsupialização (cirurgia de Partsh) consiste na abertura de uma janela cirúrgica, com excisão da mucosa e da parede cística, comunicando a lesão com a cavidade oral, suturada junto à mucosa adjacente, promovendo o esvaziamento progressivo do conteúdo interno da lesão, acarretando em sua descompressão e consequente diminuição para posterior enucleação. A técnica de descompressão, difere da marsupialização pelo uso de um dispositivo para manutenção da abertura cirúrgica, ambas tem o objetivo de redução da lesão. Na remoção de Rânulas (fenômeno de retenção) a conduta de marsupialização é indicada para a preservação da glândula salivar, já a remoção de uma Mucocele a conduta de eleição é a exérese da glândula acessória e demais glândulas visíveis durante o ato cirúrgico.

Marsupialização. Incisão através da mucosa oral e da parede cística em direção ao centro do cisto. Excisão da janela da mucosa e da parede cística. Mucosa oral e mucosa da parede cística suturadas em conjunto na região periférica da abertura (fonte: HUPP, 2015).

Em relação as condutas operatórias: (1) se o cisto está confinado à estrutura óssea e não há infecção deve ser realizado a enucleação total e preenchimento com biomaterial e cicatrização em primeira intenção para lojas operatórias menores que 2 centímetros, porém se há infecção após a enucleação deve ser realizada a cicatrização por segunda intenção e nestes casos o uso de biomaterial está contra-indicado, (2) cisto não está confinado a estrutura óssea e com fusão no periósteo, a conduta poderá ser enucleação total e cicatrização por segunda intenção, (3) o cisto possui um grande volume que engloba varias estruturas anatômicas e possibilidade de prejuízo as estruturas nobres, é recomendável  a punção, marsupialização como terapêutica de demora e biopsia para confirmação de diagnóstico. A enucleação total poderá ser realizada posteriormente, com o regredir da lesão. Nos casos de cistos dentígeros ou de erupção, sempre houver o dente decíduo correspondente, não realizar a marsupialização, apenas remover o decíduo e fenestrar.

Cada opção de tratamento apresenta vantagens e desvantagens, indicações e contra-indicações, a escolha deve-se basear na solução que cause menor morbidade ao paciente, quando possível proporcionar redução do tamanho da lesão, neoformação óssea e posterior resolução definitiva.

As lesões císticas menores podem ser tratadas por enucleação cirúrgicas direta com ou sem curetagem, as de maiores dimensão podem ser abordadas através da descompressão por marsupialização ou uso de um dispositivo para a manutenção da abertura cirúrgica, ambas com o objetivo de redução da lesão para posterior enucleação, preservando dessa forma maior quantidade de tecido ósseo. Dependendo do estado de saúde ou idade do paciente a descompressão pode tornar-se a terapêutica definitiva. Caso a etiologia da lesão seja por infecção microbiana devido a necrose e consequente gangrena pulpar e com tamanho reduzido, a primeira opção de tratamento pode ser mais conservadora, através do tratamento endodôntico e acompanhamento radiográfico periódico. Após uma exodontia com lesão periapical, uma curetagem apical deve ser realizada para a remoção da lesão.

Além do conhecimento das técnicas cirúrgicas e da anatomia buco maxilofacial, para o sucesso do tratamento, é de extrema importância a confirmação do diagnóstico, obtido pelo laudo histopatológico, considerando sempre as características clínicas e radiográficas, assim como a etiologia da lesão cística. Com base nestas informações é possível realizar o correto planejamento e ser capaz de relatar as suposições do que é possível acontecer, estabelecendo dessa forma um correto prognóstico e proservação do paciente.

Referências

HUPP, J. R.; ELLIS, E. TUCKER, M. R. Cirurgia Oral e Maxilofacial Contemporânea. Elsevier, 6ed. 2015

SANTOS, L. C. S. et al. Etiopatogenia do cisto radicular – parte I. Rev. ciênc. méd. biol. Salvador, v.5, n.1, p.69-74, jan./abr. 2006.

Neville W. Brad, Damm D. Douglas; PATOLOGIA ORAL E MAXILOFACIAL 4º EDIÇÃO, 2016

TOMMASI, Maria Helena M.; Diagnostico em Patologia Bucal, 4º ed. , 2014

SAYÃO, Sandra Endodontia: ciência, tecnologia e arte: do diagnóstico ao acompanhamento, 2 Ed, Ed Santos, 2007.

Wright JM, Vered M. Update from the 4th Edition of the World Health
Organization Classif ication of Head and Neck Tumours: Odontogenic and
Maxillofacial Bone Tumors. Head and Neck Pathol. 2017;11(1):68-77.

Gregori C. Cistos da cavidade bucal e das estruturas anexas. Cirurgia buco-dento-alveolar. Ed. São Paulo: Savier; 2ª ed, 2004