Como denota a sua etimologia, Epidemiologia é definida como “o estudo da distribuição da doença ou de uma condição fisiológica nas populações humanas e dos fatores que influenciam essa distribuição” (Lilienfeld, 1978).

Frost (1941), com uma descrição mais abrangente, enfatiza que ” a Epidemiologia é essencialmente uma ciência indutiva, preocupada não apenas em descrever a distribuição da doença, mas igualmente, ou até mais, em encaixa-la numa filosofia mais abrangente”.

Dessa forma, a informação obtida através de uma investigação epidemiológica deve ir além de uma mera descrição da distribuição da doença em diferentes populações (Epidemiologia Descritiva). Deve ser utilizada também para estabelecer a etiologia de uma doença específica (Epidemiologia Etiológica), avaliar a consistência dos dados epidemiológicos com hipóteses clinicas ou experimentais (Epidemiologia Analítica) e proporcionar a base para o desenvolvimento e a avaliação de procedimentos preventivos e praticas de saúde pública (Epidemiologia Experimental/de Intervenção).

A epidemiologia em periodontia deve atender à incumbência de fornecer dados sobre a prevalência das doenças periodontais em diferentes populações, bem como a frequência em que elas ocorrem, a severidade de tais condições e proporcionar a documentação referente à efetividade das medidas preventivas e terapêuticas direcionadas a tais doenças em nível populacional.

Fatores de Risco para periodontite

Idade

A relação entre idade e periodontite é complexa. Evidências iniciais demonstraram que a prevalência e a gravidade da periodontite aumentam com a idade, sugerindo que essa possa ser um marcador para perda de tecido periodontal de suporte.(van der Velden,1984,1991; Johnson, 1989, Johnson et. al.,1989; Burt, 1994). Entretanto, o conceito de periodontite, como uma consequência inevitável da idade tem sido questionado ao longo dos anos, e o alegado “efeito da idade” provavelmente representa o efeito acumulativo, prolongado a verdadeiros fatores de risco (Papanoi et. al., 1991). O efeito da idade sobre a perda de inserção é reduzido após o ajuste de covariáveis, como níveis de higiene bucal ou acesso aos cuidados odontológicos (Albandar, 2002a). Todavia, os estudos normalmente não ajustam para covariáveis como a presença de doenças sistêmicas, consumo de múltiplas medicações e comorbidades relacionadas a distúrbios nutricionais na população mais velha.

Sexo

Não existe diferença estabelecida entre homens e mulher na sua suscetibilidade à periodontite, embora homens tenham demonstrado pior saúde periodontal que as mulheres em vários estudos de diferentes populações (Okamoto et al., 1988; Brown et al., 1989; hugoson et al., 1992; Albandar, 2002a; Susin et al, 2004a). Essa diferença tem sido considerada como um reflexo de melhores práticas de higiene bucal (Hugoson et al., 1998b; Christensen at al., 2003) e /ou aumento na utilização dos serviços odontológicos entre as mulheres (Yu et al, 2001; Dunlop et al., 2002; Roberts-Thonson & Stewart, 2003).

Raça/Etnia

Diferenças na prevalência da periodontite entre países e continentes tem sido demonstradas (Baelum et al, 1996; Albandar, 2002a), mas não foi documentado um padrão nos grupos raciais/étnicos quando são levadas em conta covariáveis como idade e higiene bucal (Burt & Eklund, 1999). Raça/etnia é usualmente um contruto social que determina uma gama de oportunidades relacionadas ao acesso, estado e recursos(Williams, 1997,1999). Como resultado raça/etnia e situação socioeconômica (SES) estão fortemente interrelaciondas, sugerindo que o efeito observado destas possa ser atribuído á confusão com SES devido ao significado desigual dos indicadores de SES nos grupos raciais/etnicos (Williams, 1996; Kaufman et al., 1997; krieger et al., 1997; Lynch & Kaplan, 2000).

Fatores ambientais, adquiridos e comportamentais

Microbiota específica

A etiologia microbiana da gengivite (Loe et al., 1965; Theilade et al., 1996) e da periodontite (Lindhe et al., 1973) está estabelecida há varias décadas. Coletivamente, os dados gerados nos últimos anos aumentaram o conhecimento sobre o papel de bactérias específicas como fatores de risco para a periodontite, mas também tornaram claro o significado de carga bacteriana mais do que da mera colonização positiva em conferir risco para a progressão da doença. Além disso, uma quantidade significante de dados da literatura, recentemente compilados em revisões sistemáticas, tem demonstrado que uma abordagem antimicrobiana, incluindo a remoção de placa subgengival seguida por cuidados de manutenção adequados, é a única estratégia consistente e com mais sucesso para o tratamento de periodontite (Heitz-Mayfield et al., 2002; Herrera et al., 2002; Hallmon & Rees, 2003).

Tabagismo

O tabagismo pode afetar a vascularização, as respostas imunológicas humoral e celular, os processos de sinalização e homeostase dos tecidos. Pesquisas mais recentes demonstram que sítios rasos em fumantes são colonizados por níveis mais elevados de patógenos periodontais, como T. forsythia, Treponema Denticula e P. gengivalis, e que essas diferenças ficam obscurecidas em bolsas profundas com doença. Estudos que examinaram os efeitos do tabagismo no resultado do tratamento periodontal demonstraram que as respostas ao tratamento são modificadas pelo consumo de cigarros, com os fumantes apresentando piores resultados que o ex-fumantes ou indivíduos que nunca fumaram. A cessação do tabagismo tem sido demonstrada como benéfica aos tecidos periodontais. O tabagismo parece preencher a maioria das etapas necessárias para o processo de determinação de risco estipuladas por Beck( 1994) e é considerado um dos maiores fatores de risco para periodontite.

Diabetes Mellitus

Varios estudos sugerem uma relação bidirecional entre diabetes e periodontite, com destruição periodontal mais grave em pessoas com diabetes, mas também um pior controle metabólico em indivíduos com periodontite ( Lalla et al., 2000; Soskolne & Klinger, 2001; Taylor, 2001). Independentemente da variabilidade na definição de caso empregada nesses estudos, indivíduos com diabetes têm maior prevalência, extensão e gravidade da doença periodontal ( Grossi et al., 1994; Bridges et al., 1996; Firatli, 1997; Tervonem & Karjalainen, 1997; Taylor et al., 1998a,b; Lalla et al., 2004).

Sistema de Índices

O exame da condição periodontal de um dado indivíduo inclui a avaliação clínica da inflamação dos tecidos periodontais, o registro das profundidades de sondagem e dos níveis de inserção clínicos e a avaliação radiográfica do osso alveolar de suporte.

Ao longo dos anos vem sendo desenvolvida uma variedade de sistemas de índices para a quantificação desses parâmetros, sendo que alguns desses sistemas são exclusivos para o exame de pacientes em consultório, e outros para pesquisa epidemiológica.

A avaliação da inflamação dos Tecidos Periodontais

A presença de inflamação na gengiva marginal é usualmente registrada através de sondagem periodontal, de acordo com os princípios do Índice Gengival, descrito por Loe (1967).

Indice Gengival (Loe, 1967):

A – Ausência total de sinais visuais de inflamação na unidade gengival recebem marcação 0 (zero).

B – Alteração na cor e na textura, recebem valor 1.

C – Inflamação visível e tendência ao sangramento da margem gengival a sondagem, como 2.

D – Inflamação com tendência ao sangramento espontâneo, como 3.

Índice paralelo para o registro de placas, Índice de Placas ( Silness;Loe, 1964):

A – Ausência de depósitos de placas recebem grau 0 (zero).

B – Placa visível após remoção com sonda periodontal, sendo deslizada pela margem gengival, recebem grau 1.

C – Placa Clinicamente visível, como 2.

D – Placa abundante recebe grau 3.

Variantes simplificadas foram propostas por Ainamo & Bay (1975), avaliam a presença/ausência de inflamação ou placa respectivamente em um padrão binomial (contagem dicotômica):

A – Sangramento da margem gengival e placa visível recebem marcação 1.

B – Ausência de sangramento e nenhuma placa visivel recebem marcação 0 (zero)

O sangramento após a sondagem da base sondável da bolsa ( Índice de Sangramento Sulcular Gengival) é um meio usual de avaliar a presença de inflamação sub-gengival (Muhlemann & Son, 1971). Nesse registro dicotômico, a marcação é considerada 1 quando o sangramento surge até 15 s após a sondagem. A presença/ausência de sangramento à sondagem até a base da bolsa tende a substituir gradativamente o Índice Gengival nos estudos epidemiológicos.

Avaliação da perda do tecido periodontal de sustentação

Índice Periodontal (PI) (Russel, 1950)

Até os anos de 1980, o mais amplamente empregado nos estudos epidemiológicos de doença periodontal. Seus critérios são aplicados para cada dente isoladamente, e o registro é o seguinte:

A – Dente com periodonto saudável, recebe escore 0;

B – Dente com gengivite somente em parte de sua circunferêcia, escore 1;

C – Gengivite em toda a circunferência do dente, escore 2;

D – Formação de bolsa, escore 6.

E – Perda da função devido a mobilidade excessiva do dente, escore 8.

É um sistema de registro reversível, ou seja, um dente ou um indivíduo podem, após o tratamento, apresentar grau mais baixo ou até mesmo reduzido para 0.

Índice de Doença Periodontal (Ramfjord, 1959)

É um sistema planejado para avaliar a doença destrutiva, medindo a perda de inserção em vez da profundidade da bolsa, e é, portanto um sistema irreversível.

Estudos epidemiológicos contemporâneos avalia-se a perda dos tecidos periodontais de suporte através da mensuração das profundidades de bolsa e níveis de inserção.

Profundidade de bolsa a sondagem (PPD): distância que vai da margem gengival até o ponto em que a extremidade de uma sonda periodontal inserida na bolsa com força moderada, encontra resistência.

Nível de inserção a sondagem(PAL) / Nível de inserção clínica (CAL): distância que vai da junção cemento esmalte (CEJ) até a posição em que a ponta da sondagem encontra resistência.

As avaliações da sondagem podem ser feitas em diferentes pontos da circunferência (vestibular, lingual ,Mesial e distal). O estudo pode incluir todos os dentes presentes na boca ou exame parcial da boca.

Índice de Extensão e Severidade (ESI) (Carlos e Colaboradores, 1986)

(1) – Extensão: descrição da proporção de dentes com sinais de periodontite destrutiva

(2) – Severidade: descrição da perda de inserção nos sítios doentes, com limiar de perda >= 1 mm, para o dente a ser considerado afetado pela doença.

P.Ex:

ESI (90:2,5): generalizada e moderada; 90% dos dentes afetados com perda mínima de 2,5 mm de inserção.

ESI (20:7,0); forma grave e localizada da doença.

Avaliação Radiográfica da perda de osso alveolar

Radiografias são utilizadas nos estudos epidemiológicos para avaliar os efeitos da doença periodontal sobre os tecidos de sustentação, e não a presença da doença em si.

A avaliação radiográfica é particularmente comum com método de detecção de pacientes portadores de periodontite juvenil assim como monitoramento da progressão da doença periodontal em estudos longitudinais.

A avaliação da perda óssea nas radiografias intra-orais é usualmente realizada analisando-se a profusão de características qualitativas e quantitativas do osso interproximal, observando:

(1) Presença de lâmina dura intacta

(2) Extensão do espaço do ligamento periodontal

(3) Morfologia da crista óssea (plana ou angular)

(4) A distância entre a junção cemento-esmalte e o nível mais coronário no qual o espaço do ligamento periodontal é encontrado com sua espessura normal. O ponto de corte para a perda óssea, ou seja, a distância CEJ-Crista óssea considerada varia entre 1 e 3 mm em diferentes estudos.

Avaliação das necessidades de tratamento periodontal

Por iniciativa da Organização Munidal de Saúde (OMS) foi desenvolvido por Ainamo et al.(1982), um índice para a avaliação das necessidades de tratamento periodontal, Índice Comunitário das Necessidades de Tratamento Periodontal (CPITN) que podem ser resumidos:

  1. A dentição é dividida em seis sextantes (uma região anterior e duas posteriores em casa arcada dentária). A necessidade de tratamento de um sextante é registrada quando dois ou mais dentes – não indicados a extração – estão presentes. Se penas um dente permanecer no sextante, ele será incluído no sextante contíguo.
  2. A sondagem periodontal é realizada ao redor de todos os dentes do sextante ou de certos dentes-índices selecionados. Apenas a medição mais grave do sextante é escolhida para representá-lo.
  3. Registro das Condições Periodontais:
    • Código 1: Sextante sem bolsas, calculo ou restaurações com sobrecontorno, mas no qual ocorre sangramento após sondagem delicada em uma ou várias unidades gengivais.
    • Código 2: Sextante caso não haja bolsas que excedam 3 mm, porém sejam vistos nas regiões subgengivais cálculo dental e fatores de retenção de placa
    • Código 3: Sextante que apresenta bolsas de 4-5 mm de profundidade
    • Código 4: Sextante que apresenta bolsas de 6 mm ou mais de profundidade
  4. As necessidades de tratamento são baseadas no código mais rigoroso da dentição, com:
    • TN0 = 0; gengivas sadias
    • TN1 = 1; necessidade de melhora da higiene bucal
    • TN2 = 2 e 3 ; necessidade de raspagem, remoção dos excessos das restaurações e melhoria da higiene bucal
    • TN3= 4; indica tratamento complexo

Apesar de não ter sido planejado com propósitos epidemiológicos, esse índice tem sido bastante utilizado em todo o mundo, e estudos com base no CPITN. tem sido com frequência, a única fonte de informação epidemiológica de condições periodontais, principalmente em países em desenvolvimento.

 

Referências Bibliográficas

  1. LINDHE, J. Tratado de periodontologia clínica e implatologia oral, 5 o ed., Ed. Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 2010.